Notas sobre as Conclusões do Seminário “Guerra de África – Portugal
Militar em África 19611974
– Atividade Militar” realizado no IESM em 12 e 13 de Abril de 2012
Por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso
Introdução
O prestígio académico de uma instituição com o relevante papel na
formação dos quadros superiores das forças armadas portuguesas como é o IESM e
a consideração que nos merecem os promotores do Núcleo Impulsionador das
Conferências da Cooperativa Militar, além da nossa consciência, levam-nos a
manifestar a nossa leal discordância pelas alíneas das conclusões do Seminário
“Guerra de África – Portugal Militar em África 1961-1974 – Atividade Militar”,
onde é afirmado que, e cita-se de cor, mas julgando interpretar a ideia
expressa, a situação nos três teatros estava controlada pelas forças armadas
portuguesas e que era sustentável em termos militares, isto é, segundo as
conclusões, a situação de guerra não era crítica e podia ser mantida.
Estamos em completo desacordo com tal conclusão e consideramos que ela
se insere num persistente movimento ideológico de revisionismo histórico que
pretende adulterar e contrariar à posteriori os fatos e os acontecimentos. Este
movimento teve expressão inicial logo a seguir ao final da guerra e ao derrube
do regime em 25 de abril de 1974 com o título de “Vitória Traída”, escrito por
quatro generais que desempenharam funções de comando em teatros de operações de
África.
A conclusão de que as foças armadas portuguesas controlavam a situação
nos teatros de operações em 1974, produzida sem base na realidade, mas repetida
com insistência, tem um fio condutor ideológico que, partindo de uma convicção
ganha empiricamente ou de uma intenção deliberada, quer induzir a ideia de que,
estando a situação militar controlada em Angola, Guiné e Moçambique, a guerra
que sustentava a política ultramarina do antigo regime podia ser prosseguida,
com a manutenção das colónias enquanto províncias ultramarinas de um Estado
Português pluricontinental e multiracial, do Minho a Timor. Sendo assim, não
haveria justificação para a ação militar de derrube do dito regime em 25 de
Abril de 1974, nem para as independências das colónias.
A defesa da política do regime de ditadura derrubado em 25 de Abril de
1974 feita posteriormente é legítima, resulta da democracia instaurada nessa
data e aceitamo-la com toda a naturalidade. Não é pois o direito de defender o
antigo regime e a sua política colonial que nos leva a contestar as conclusões,
o que nos leva a contestar as conclusões é que contrariam a realidade e o que
dessa realidade está hoje disponível nos arquivos e outras fontes, incluindo as
que resultam das ações de alguns dos mais importantes decisores da altura.
A tese de que as forças armadas portuguesas controlavam a situação nos
três teatros de operações, ou até da vitória militar em parcelas do teatro, ou
da possibilidade de manter a soberania sobre os territórios ultramarinos
esbarra em dois obstáculos:
1) Não corresponde à verdade dos fatos – isto é, contraria o que foi
escrito, afirmado e testemunhado na época;
2) Torna absurda e incoerente a atuação de todos os atores políticos e
militares com responsabilidades na época, sejam os militares, sejam os
políticos.
Isto é, se a afirmação fosse correta, a atuação de todos os atores
políticos e militares durante os anos de 1973 e 1974 teria sido absurda, desde
o então presidente da República ao mais anónimo dos militares que
conscientemente intervieram no 25 de abril, do primeiro-ministro e dos membros
do seu governo, à totalidade dos generais portugueses.
Que esta tese, além de colocar os responsáveis políticos e militares a
representar papéis num teatro do absurdo, contrarie a doutrina militar geral e
a doutrina militar de contra-subversão parece ser um pormenor adjacente, mas
uma escola de formação superior em estudos militares não pode deixar de saber
situar-se perante esse quadro.
Uma tentativa
de estabelecimento de termos de referência
As conclusões de que a situação militar nos teatros se encontrava sob
controlo contêm o conceito de “controlo da situação” e de “situação crítica”.
Tomemos esses conceitos como ponto de partida para os precisar.
“Controlo da situação” quer dizer assegurar condições de vida em
segurança na totalidade do território e ter capacidade para fazer face aos
perigos correntes (atuais), contendo as ameaças dentro de limites espaciais
definidos (e nos limites previsíveis e prováveis num futuro temporal de médio
prazo -5 anos), ou seja, ter capacidade para fazer face à ameaça esperada,
garantindo a continuidade de uma situação política. Em resumo, uma situação em
que o sistema (neste caso político) continua a funcionar e pode cumprir a sua
missão no seu raio de ação (tempo e espaço) sem ser previsível uma falência
geral.
“Situação crítica” quer dizer estado de incapacidade para as forças
armadas evitarem o agravamento da situação, de evitarem que zonas vitais sejam
atingidas e que ponham em causa uma ordem estabelecida, que deixem de ter
capacidade para acorrer e dominar dois focos de conflito no mesmo teatro, e
manter uma reserva para fazer face às possibilidades mais perigosas. Isto é,
numa situação crítica zonas vitais estão em falência e o conjunto corre perigo,
pelo que há necessidade de procedimentos de emergência.
Situação controlada
– situação crítica
Apenas recorrendo a fatos demonstrativos e sem qualquer pretensão de
sermos exaustivos, mas dado termos sido autores de duas obras onde reunimos a
informação que conseguimos sobre esta época de 1961-1974 e sobre a guerra, referimos
algumas situações nelas publicadas e que, julgamos, contrariam a tese do
controlo militar dentro dos limites de acção e reação das forças portuguesas.
São situações retiradas de relatórios da época e de afirmações feitas
pelos responsáveis de então (sendo certo que alguns disseram posteriormente
coisas diferentes do que afirmaram e escreveram na altura) e que estão
publicadas.
É um resumo longo, mas a quantidade de informação resulta do respeito
que as instituições promotoras do Seminário nos merecem. Todas estas
informações estão publicadas e estão disponíveis.
Assim:
Angola
Em Angola, a situação no Norte era de tal forma preocupante que em 19 de
Fevereiro de 1974 o general Luz Cunha, comandante-chefe, apresentou a ameaça de
um ataque concreto da República do Zaire a Cabinda na reunião do Conselho de
Defesa Militar de Angola. Nesse dia, fez uma exposição sobre a possibilidade de
um ataque de grande envergadura da República do Zaire a Cabinda e apresentou um
relatório onde referiu explicitamente o problema particular de Cabinda, face às
ameaças de acções de força por parte da República do Zaire, dizendo que
“ultimamente têm-se acentuado o número de notícias que referem a possibilidade
da FNLA executar uma acção de força contra aquele território (Cabinda) apoiada
directa ou indirectamente pelas Forças Armadas do Zaire e por outros países,
nomeadamente a Líbia.
Esta possibilidade era conjugada com ataques na fronteira Norte e levou
o general a, perante a ameaça descrita, enviar a 17 de Março, uma mensagem
(Muito Secreto) para o ministro da Defesa (Silva Cunha) relatando a situação e
informando as acções tomadas, que incluíam um forte apoio de meios aéreos da
África do Sul. A mensagem dizia o seguinte: “Em consequência da ameaça de
acções de força contra Cabinda e fronteira norte foi programado e posto em
execução um plano de reconhecimento fotográfico (RecFoto) com meios aéreos da
FAP (1ªfase) e sul-africanos (2ª fase) a fim de detectar indícios de
preparativos de concentração de forças inimigas”. Como as notícias processadas
continuassem a referir o lançamento de uma grande ofensiva em data próxima, a
África do Sul fez, no dia 20 de Abril, uma proposta de apoio ao Comando-Chefe
em Angola.
Esse apoio passava pela colocação em Luanda de dois aviões Canberra para
missões de reconhecimento fotográfico e de seis aviões Mirage para execução de
acções de demonstração de força. Estes aviões ficariam na Base Aérea 9 (Luanda)
em vez do AB 3 (Negage), por ali existirem melhores condições de pista e
logísticas e de ligação com o CCFAA. Os aviões manteriam as insígnias
sul-africanas e o pessoal usaria o respectivo uniforme nacional. As autoridades
sul-africanas propunham que a justificação da presença sul-africana (cover
story) fosse a de ligação e treino de voo.
Pela parte portuguesa, seria reforçado o destacamento temporário da
Força Aérea em Cabinda com dois aviões B-26, um helicanhão e um DO-27, e o
Sector com duas companhias de Comandos. Foram também dadas instruções para
acções de bombardeamento além-fronteira, de posições de foguetões 122mm.
Estas missões estavam previstas para o período de 29 de Abril a 3 de
Maio.
A situação no Norte de Angola estava pois muito longe de ser controlada
pelas forças portuguesas, havia uma ameaça séria de intervenção externa com
meios convencionais, que fazia com que as forças portuguesas necessitassem de
apoio considerável e extraordinário da África do Sul. O comando chefe de Angola
considerava, em Fevereiro de 1974, as seguintes vulnerabilidades das forças
portuguesas para fazerem face a um inimigo convencional, como o que ameaçava o
norte de Angola:
-Limitado potencial de fogo das companhias e batalhões de caçadores,
cuja organização estava adaptada à guerra de contraguerrilha;
-Inadequada preparação das unidades para a guerra convencional;
-Muito deficiente capacidade de defesa anticarro (dado que a República
do Zaire dispunha duma Brigada blindada com 200 blindados);
-Carência geral de meios blindados;
-Carências muito graves no que respeita a material automóvel nas
unidades de apoio de combate, especialmente de artilharia;
-Inexistência de meios de defesa aérea e antiaérea, reconhecendo que o
Zaire e as nações limítrofes dispõem de superioridade aérea;
-Muito limitada capacidade de apoio aéreo;
-Deficiências em meios navais, especialmente em fragatas.
A questão da ameaça convencional sobre os teatros de operações de Angola
e Moçambique devia ser tomada a sério, facto que já vinha acontecendo.
Assim, numa reunião realizada de 18 a 21 de Junho de 1973 em Pretória
entre militares sul-africanos, portugueses e rodesianos, no âmbito de uma
aliança militar efetiva, embora mantida secreta, ao fazer o balanço geral das
actividades, o presidente da reunião, general W. R. Van der Riet, da África do
Sul, salientou algumas informações importantes, particularmente no que se
refere a uma possível ameaça convencional contra os territórios Alcora (África
do Sul, Rodésia, Angola e Moçambique) por volta de 1976, pelo que tinha sido
decidido discutir essa ameaça num ponto específico da agenda da reunião. Isto
é, existia uma ameaça real de forças convencionais e as forças portuguesas não
estavam preparadas para se lhe opor e controlar.
Quanto à Frente
Leste
Também na Frente Leste a situação se caracterizava por estarem aldeados
forçadamente cerca de 800.000 do seu milhão de habitantes e estarem
estacionados na zona 35.000 efetivos. Portanto, a ideia de “vitória militar”
(um estranho conceito numa guerra, a não ser que sejam consideradas possíveis
vitórias civis separadas, que seja possível uma vitória militar numa guerra
subversiva, que é essencialmente política e assim classificada em todos os
manuais militares, incluindo o português, ou que se confundam batalhas e
guerras), só pode aceitar-se se significar esse aldeamento forçado, isto é, a
reunião em espaços confinados, de 80% da população, e o controlo do território,
onde os 35.000 efetivos actuariam, assim, numa zona quase inabitada e de fácil
controle.
Os aliados portugueses na região, a África do Sul, com quem existia uma
forte cooperação, tinham uma ideia não só muito contrária à da vitória militar
no Leste, mas até quanto ao modo como as forças e as autoridades portuguesa ali
estavam a atuar e que, segundo eles, ia no sentido contrário do que seria
indicado para controlar a situação, isto é, as populações, como veremos.
O Leste foi nos anos finais da guerra e por pressão dos vizinhos e
aliados sul-africanos, o principal teatro de operações de Angola. Desde 1968
que na zona era desenvolvida uma intensa cooperação militar com a RAS,
nomeadamente através dos CCAA (Centros Conjuntos de Apoio Aéreo), a que os
sul-africanos deram o nome de código inicial de “Operação Bombaim”. Quer isto
dizer que a África do Sul investiu elevados recursos e meios no Leste e
conhecia bem a situação militar e civil.
Embora as opiniões e apreciações sul-africanas devam ser “temperadas” pelos
seus interesses estratégicos, não deixam de ser importantes e, mais ainda,
quando merecem o acordo dos estados-maiores portugueses.
A partir de 1970 a situação no terreno, e ao contrário do que hoje é
afirmado, motivava sérias preocupações dos nossos aliados e dos comandos
portugueses. Em Março de 1970, numa reunião realizada em Pretória com militares
portugueses do SGDN e do Comando-chefe de Angola, o general Charles Fraser,
chefe do estado-maior conjunto das forças de combate da África do Sul, fazia a
seguinte apreciação da situação no Leste: “tem havido uma deterioração rápida e
contínua do controlo militar e administrativo no Leste de Angola desde o início
de 1968, isto é, na área do empenhamento directo da SADF na guerra de Portugal”[1].
Os sul-africanos tinham uma noção integrada da ameaça ao poder branco em
África – ao contrário dos defensores da tese da “vitória militar no Leste” –
assim, afirmava o general Fraser, que a guerra de Angola devia ser relacionada
“com outras ‘guerras de libertação’ travadas a Norte da RAS”. Por isso, a
guerra de Angola não podia ser vista isoladamente, em relação a outras lutas
semelhantes que se travavam em Moçambique, na Rodésia, no Sudoeste Africano e
no Caprivi. Ignorar este factor e a crescente cooperação entre os movimentos de
libertação seria um grave risco para todos e significaria um aumento do perigo
para a RAS e para os seus amigos, situação confirmada por um conjunto de factos
ocorridos recentemente, entre os quais era de realçar a recente “Conferência realizada
em Morogoro, Tanzânia, entre 25 de Abril e 1 de Maio de 1969, por iniciativa do
SAANC”, onde “foi tornada enfática a necessidade de fortalecer a aliança
existente entre a ZAPU (Rodésia) e a SAANC (RAS), pela inclusão da Frelimo
(Moçambique), do MPLA (Angola), da SWAPO (Sudoeste Africano e Caprivi) e do
PAIGC (Guiné-Bissau), com a intenção de reunir os recursos de cada um e de
criar uma frente de libertação sólida, na luta contra a dominação branca
imperialista, na África Austral”[2].
Embora a apreciação do general Fraser deva, como se disse, ser lida à
luz do interesse da África do Sul, ele afirma que: “É evidente que, no Leste de
Angola, o MPLA tem consolidado a sua posição a um tal ponto que se pode esperar
que esta área venha a prover bases sólidas e as necessárias para a expansão da
guerra às regiões mais populosas e mais prósperas do Oeste e do Norte de
Angola”.
Também se devia considerar, relativamente às actividades da UNITA, que
num futuro próximo, houvesse um aumento do número das suas acções e mesmo a
abertura de uma nova frente na Huíla, o distrito imediatamente adjacente à
Ovambolândia no Sudoeste Africano, e isso “é de especial significado para a
RAS”.
O general Fraser, como comandante das forças conjuntas da África do Sul
tinha três questões prévias a apresentar à delegação portuguesa. Em primeiro
lugar, ele e o seu estado-maior tinham feito um estudo minucioso da situação no
Sueste de Angola. A conclusão era “perturbante”, pois, apesar do aumento de
forças no distrito e do considerável número de voos da Força Aérea da África do
Sul, em apoio das forças militares nessa área e mais a Norte, o inimigo
continuava a progredir para Oeste. E isso era uma situação inadmissível para a
África do Sul, pois deseja evitar que “o inimigo estabeleça um santuário no Sul
de Angola, do qual possam ser montadas operações de subversão contra o
Sudoeste Africano”. Daí que a diligência comum devia ser a de parar a
penetração. Ou seja, como dizia, em conclusão, “nós devemos proteger-nos, a nós
próprios, contra a subversão”. Mas para que não subsistissem dúvidas sobre a
urgência de uma crescente cooperação na condução da campanha, o general Fraser
acrescenta: “Há um medo entre os nossos povos negros, como de facto sabemos
existir um medo entre os vossos, de que os terroristas estejam, lenta mas
efectivamente, alcançando os seus objectivos imediatos de penetração para
Oeste. Os nossos povos negros estão também acusando desânimo porque o esforço
aéreo que nós estamos levando a cabo, que eles podem ver sem que ninguém lhes
tenha dito nada acerca dele, não está a alcançar o que nós insistimos em dizer
ser a nossa intenção, isto é, a derrota da SWAPO. Deverá ser nossa diligência conjunta
parar essa penetração”[3].
Em segundo lugar, afirmou o general Fraser, “gostaria de sugerir alguns
melhoramentos à campanha de contra-subversão, necessários para a nossa
segurança mútua”. Tais sugestões já tinham sido discutidas durante as suas
várias visitas a Angola, em contactos com o Comandante-Chefe e o
Governador-Geral do território. Uma das sugestões tinha a ver com o programa de
aldeamentos, em que ele fala no “colapso no Programa dos Aldeamentos” -os maus
resultados “são apavorantes, no contexto das suas consequências inevitáveis
sobre o objectivo estratégico de ganhar as populações para Portugal”. Para além
disso, havia notícias de populações que tinham sido capturadas pelos
terroristas nos próprios aldeamentos e mesmo de populações que fugiam para o
inimigo, estando assim “os terroristas (…) em vias de ganharem (…) um certo
grau de controle”[4].
Os comentários portugueses
Os comentários e as propostas dos representantes sul-africanos mereceram
detalhadas respostas do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior General das
Forças Armadas.
Pela parte do Exército, foram elaborados dois documentos, um pela 3ª
Repartição (Operações), a cargo do tenente-coronel Viana de Lemos, e outro pela
5ª Repartição (Instrução). Viana de Lemos deu à sua resposta um “carácter mais
pessoal do que seria normal”, não só pela “natureza dos assuntos versados”, mas
também pelo facto de “pessoalmente, ter tomado conhecimento de alguns deles em
1968 e, sobretudo, a inexistência de elementos oficiais sobre os mesmos
assuntos”[5].
Viana de Lemos apresenta então as suas conclusões:
“a. Os comentários sul-africanos são, de um modo geral, pertinentes e
adaptados à situação no
Cuando-Cubango;
b. A cooperação civil-militar necessita ser imperiosa e urgentemente
melhorada.
Na mesma ocasião, também o Secretariado-Geral da Defesa Nacional (no
âmbito do EMGFA) se pronunciou, em documento datado de 7 de Abril de 1970,
sobre o ponto de situação feito pela África do Sul. O relator confirma que
ficou estabelecida a “execução de trabalhos de estado-maior e reuniões conjuntas
dos três países interessados na defesa da África Austral”, com dois objectivos:
análise da ameaça e o estudo de medidas para uma defesa coordenada e apoio
mútuo entre os três países. Angola e Moçambique estavam sob a ameaça de uma
acção coligada contra a África Austral por parte da Rússia e seus satélites, da
China e dos países extremistas da OUA. Era, por isso, natural considerar que “o
auxílio sul-africano, quer no campo dos armamentos quer no sector económico e
financeiro, deve ser um dos aspectos da defesa conjunta”[6].
Também sublinhava que a RAS tinha interesse nesta colaboração, já que “a
evolução da subversão nas nossas Províncias lhe cria a dúvida da nossa
capacidade em enfrentarmos o Inimigo”, face à “verificação da inconsistência
dos métodos de contra-subversão utilizados e a qualidade inferior das forças
empenhadas”. Posto assim o problema pela África do Sul, impunha-se, da parte
portuguesa, a avaliação das possibilidades conjuntas, assim como a determinação
da melhor divisão de tarefas ou de responsabilidades. Por tudo isso, era
necessário atentar na crítica da África do Sul à conduta da contra-subversão em
Angola, especialmente nos seguintes pontos:
“A manobra de contra-subversão é uma manobra essencialmente política
porque visa a adesão das populações ao objectivo nacional. A acção política
tem, portanto, absoluta primazia sobre a acção militar – que se lhe tem de
subordinar. As forças militares são inaptas à obtenção da vitória numa guerra
subversiva. Fazer o esforço principal da Nação no sentido de desenvolver ao
máximo as forças militares a empenhar no combate à subversão, em prejuízo do
alargamento dos meios civis e militarizados que lhe são indispensáveis, é
afastarmo-nos cada vez mais da possibilidade de alcançar a vitória”. Ou seja,
“no estado actual de coisas parece, assim, essencial que se planeie uma
reconversão que permita, dentro de limites a estudar e estabelecer, a sucessiva
substituição de meios militares pelos adequados meios civis”[7].
Para agravar uma situação no Leste que, como se vê, estava sob controlo
periclitante, resultado do aldeamento forçado de uma elevadíssima percentagem
da população, e dada a decisão do comandante chefe e do comandante da ZML de
darem por finda a operação “Madeira” de aliciamento de Savimbi, logo no dia 1
de Janeiro de 1974, a UNITA retomou a luta armada, suspensa desde 1972, ao
efectuar várias acções ofensivas na sua zona de acção -Destruiu uma povoação no
sector do Bié, causando quatro mortos e quatro feridos; atacou o destacamento
militar de Nhonga com um grupo de cinquenta elementos armados com espingardas
automáticas, morteiros e lança-foguetes, causando três mortos e três feridos às
forças portuguesas; destruiu a ponte sobre o rio Pueia e uma serração na
estrada
Munhango-Nhonga, onde raptou onze homens e doze mulheres. Estas acções
revelavam a deterioração das relações entre as autoridades portuguesas em
Angola e a UNITA, após a substituição dos generais Costa Gomes no Comando-Chefe
de Angola e Bettencourt Rodrigues no comando da ZML, e prenunciavam o fim da
operação «Madeira», que tão laboriosamente tinha sido montada pelos anteriores
responsáveis militares e civis.
Estes são, como fica dito, meros exemplos que permitem concluir que a
situação em Angola não estava nos anos finais da guerra (1970-1974) a caminho
de nenhuma vitória militar nem política: existia uma séria e assumida ameaça
convencional sobre Cabinda e o Norte, potenciada pela situação internacional
muito hostil à política colonial portuguesa e que – porque a guerra subversiva
é essencialmente política – por isso era politicamente justificada. A situação
no Leste não inspirava confiança ao nosso aliado principal, pois os
sul-africanos e até os estados-maiores portugueses consideravam que, com 80% da
população aledada, o programa de aldeamentos era desastroso e servia de mais um
fator de revolta das populações contra a autoridade portuguesa e até como um perigo
de alastramento do mal-estar para as populações sob controlo sul-africano. No
plano militar os resultados eram considerados de má qualidade e não impediam
que a SWAPO progredisse e obviamente que os outros movimentos atuassem. O
treino, motivação e enquadramento das unidades portuguesas era considerado mau,
excepto para as unidades de tropas especiais e as missões das unidades de
quadrícula inadequadas.
Mas, se a situação em Angola não era a da paz progresso e prosperidade
apregoada nas declarações públicas, a situação em Moçambique e na Guiné eram
ainda bastante mais graves.
Moçambique
Em Moçambique, a situação era crítica, ao contrário da apreciação de
efetivo controlo por parte das forças armadas neste período feita nas
conclusões do Seminário, ou de estabilidade. Assim, e por ordem cronológica,
serão listados alguns acontecimentos reveladores do agravamento da situação, do
alastramento continuado das ações militares de guerra a áreas cada vez mais
alargadas do território e mais próximas dos grandes centros populacionais e
económicos e ainda da percepção que, na altura, os vários responsáveis tinham
desse fato.
Janeiro, 01 – Sermão do padre Teles Sampaio contra a guerra, na Beira,
em que denuncia os massacres de Mocumbura. D. Manuel Vieira Pinto, bispo de
Nampula, critica violentamente o governo e a sua política de guerra.
Janeiro, 27 – O governo de Lisboa revela preocupação com a situação em
Tete. O Ministro da Defesa (Sá Viana Rebelo) enviou um telegrama a Kaulza de
Arriaga manifestando a preocupação do governo pela situação em Tete e a
inquietação das autoridades do Malawi com a segurança na estrada internacional
em território de Moçambique. Por outro lado, adiantava que o comandante da ZOT
estava a ser conduzido pelos acontecimentos e sem iniciativa, resultando dessa
sua incapacidade para o comando, violentas acções repressivas sobre as aldeias
e as populações em território português e mesmo em território do Malawi.
Março, 12 -Recondução do general Kaúlza de Arriaga como Comandante-chefe
das Forças Armadas em Moçambique.
Maio, 10 -O Comandante-chefe de Moçambique pede, entre outros meios,
150.000 minas para defesa de Cahora Bassa.
Julho, 08 – Autorização das autoridades portuguesas de Moçambique às
forças da Rodésia para operarem na zona de Mucumbura-Bucho, no distrito de
Tete.
Junho, 14 -Em entrevista ao jornal rodesiano «The Daily Telegraph»,
Kaúlza de Arriaga reconhece que um milhão de negros estão já a viver em
aldeamentos, em Moçambique.
Julho, 09 – Notícias do jornal inglês “Sunday Times” e do jornal francês
“Le Monde” sobre o uso de desfolhantes em Moçambique.
Julho, 25 -Primeiras acções da FRELIMO nos distritos de Manica e Sofala,
no centro de Moçambique. O primeiro ataque em Manica e Sofala foi lançado a 25
de Julho de 1972 por uma unidade sob o comando de Fernando Matavele. Nesta
frente e nos distritos da Beira e de Vila Pery, a organização da Frelimo era
baseada em “focos” e não em “avanços”, como em Cabo Delgado.
Julho, 25 -Ataque de um grupo de guerrilheiros da FRELIMO a um acampamento
da «Safrique», empresa de safaris, no parque da Gorongosa.
Agosto, 20 -Reunião em Lourenço Marques entre Kaúlza de Arriaga e o
general Allan Frazer, Chefe de Estado Maior das Forças Armadas da África do Sul
(SADF) para tratarem de problemas da defesa de Moçambique integrada na defesa
da África Austral.
Agosto, 24 – A empresa de transportes Autoviação do Sul do Save
(Moçambique) suprimiu as suas carreiras entre Vila Gouveia e Macossa, por
motivos de segurança. A supressão deveu-se ao facto de, dois dias antes (22 de
Agosto), o rebentamento de uma mina na estrada ter provocado a morte do
condutor de um autocarro da empresa e ter deixado cinco passageiros feridos.
Agosto, 24 – Colonos de Sussundenca, Vila Pery, apresentaram-se,
acompanhados pelas autoridades administrativas, ao governador do distrito de
Vila Pery para manifestarem o seu descontentamento pela inacção das Forças
Armadas e pedirem para serem eles a garantir a sua defesa, solicitando o
fornecimento de armas.
Setembro /Outubro -Operação «Sable», com forças rodesianas em
Moçambique, que se prolongará para Outubro. A operação realizou-se no nordeste
da Rodésia e em Moçambique, com base em Nyamapanda.
Outubro -Reuniões entre ministros da defesa da África do Sul, Rodésia e
Portugal. Em Outubro, o ministro rodesiano da Defesa e o chefe de estado-maior
das forças armadas, general G. P. Walls, tiveram uma reunião de quatro dias com
os seus correspondentes sul-africanos, P. W. Botha e o almirante H. H.
Biermann, e o ministro português da Defesa, general Sá Viana Rebelo, fez
idênticas visitas.
Novembro, 09 – Lançamento, pela FRELIMO, de uma grande ofensiva na
Província de Tete. A acção iniciou-se com um ataque à base aérea de Tete com
foguetes 122mm e morteiros de 82mm.
Em Setembro a FRELIMO tinha efectuado um violento ataque ao aeródromo de
Mueda, em Cabo Delgado.
Dezembro, 11 -Artigo de Kaulza de Arriaga publicado no jornal «Notícias»
de Lourenço Marques. Kaulza de Arriaga escreveu um longo artigo de teoria
política e estratégica, dentro do seu pensamento de limitar as guerras de
libertação de África em face da estratégia da URSS, cujas grandes linhas eram
as seguintes: “Moçambique é chave vital na actual situação
político-estratégica”; “A grande batalha será na África Austral”; e “Sem a
queda de Moçambique o neoimperialismo comunista perderá a batalha pela África
Austral”.
Dezembro, 16 -Massacre de Wiriyamu (Moçambique) efectuado por forças
portuguesas.
Janeiro, 06 -O Bispo de Tete comunica ao governador-geral de Moçambique
a ocorrência dos massacres de Wiryamu.
Janeiro, 19 -Operação com lançamento de pára-quedistas rodesianos em
Moçambique. Com o agravamento da situação na zona de Tete, intensificaram-se as
operações dos rodesianos em território moçambicano. Os rodesianos, tal como os
sul-africanos, estavam cada vez mais preocupados com a situação em Moçambique.
A primeira operação de lançamento de pára-quedistas rodesianos fora da Rodésia
teve lugar neste dia, com a autorização dos responsáveis portugueses.
Janeiro, 29 -Kaúlza de Arriaga pede ao governo um alargamento das suas
competências em Moçambique, que lhe é recusado.
Fevereiro, 17 – Mensagem de Kaúlza de Arriaga para o ministro da Defesa
Nacional, sobre os problemas da africanização da guerra.
Março, 15 -Proposta de Kaúlza de Arriaga para que, face à situação
militar, os distritos de Vila Pery e da Beira passem a ser considerados como
zonas de 100% para efeitos de atribuição da subvenção de campanha às tropas
Março, 15 -Abatido um avião Fiat G91 em combate em Moçambique, em Tete.
Março, 18 -Ataque da FRELIMO a Vila Gamito, Tete, com foguetões 122. A
rampa de foguetões estava instalada em território zambiano, mas o ataque revela
a vulnerabilidade de povoações de alguma dimensão e habitadas por número
significativo de europeus.
Março, 19 -Confronto entre Kaulza de Arriaga e Sá Viana Rebelo sobre as
prioridades de defesa em Moçambique. Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa,
defendia a prioridade absoluta da defesa em Tete, por causa de Cabora Bassa,
mesmo à custa do abandono do Norte (Niassa e Cabo Delgado).
Kaúlza de Arriaga reagiu a essa orientação com uma dura mensagem em que
também revela que a situação estava fora de controlo em Tete: “Existe subversão
na parte sul do Zambeze e istmo de Tete e progressão em direcção a Vila Pery. O
nível de vida das populações, a sua dispersão, a sua vulnerabilidade
psicológica, o limitadíssimo enquadramento administrativo, as reduzidas
possibilidades policiais e o inimigo que dissolvendo-se na população torna muito
difícil e escapa frequentemente à acção militar tem feito que elementos de
reconhecimento da FRELIMO posteriormente seguidos pelos seus elementos armados
continuem a progredir. A resolução do problema implica aldeamento para controlo
e defesa das populações, o reforço da OPVDC, reforço de polícias e reforço das
Forças Armadas. Tudo isto está a fazer-se com os meios existentes em Moçambique
não se sabendo, pelo menos o comandante-chefe não sabe, fazer melhor. Sugestões
do SGDN de quase abandono do Norte (Niassa e Cabo Delgado) não pode o actual
comandante-chefe adoptá-las por muitos motivos, entre os quais o aparecimento
real de áreas libertadas com possibilidade de estabelecimento de governo da
FRELIMO em Território Nacional. Assim, entre outros, sugere-se reforço das
Forças Armadas conforme minhas notas e carta de 29 de Janeiro. Esse reforço
seria automático se um comando-chefe único existisse para Angola e Moçambique”.
Maio, 03 – Informação do Chefe de Estado Maior General, Francisco da
Costa Gomes, sobre a situação em Moçambique:
“1. Na grande área de Tete -Vila Gouveia – Manica -Vila Pery – Gorongosa
-Vila Fontes – Morrumbala -Tete, as medidas contra-subversivas de
responsabilidade civil não se realizaram com tempo e intensidade, facilitando
ao IN a conquista psicológica do meio humano.
2. As medidas militares concebidas pelo comandante-chefe consideram-se
acertadas, parece, no entanto, que a iniciativa continuou a pertencer ao
inimigo, pois que estas medidas são já consequência de acções armadas adversas
(atraso de um tempo na manobra militar) (…)”
Maio, 26 -Suspensão dos trabalhos de construção da linha de transporte
de energia eléctrica da barragem de Cahora Bassa, pela empresa italiana
concessionária, alegando falta de segurança. A empresa só aceitava retomar os
trabalhos se a protecção fosse efectuada por unidades de comandos ou outras
equivalentes. Kaulza de Arriaga propôs ao Ministro da Defesa que fossem
transferidas de Angola para Moçambique duas companhias de comandos de Angola.
Maio, 31 -Carta de Sá Viana Rebelo para Kaulza de Arriaga a anunciar o
fim da sua comissão.
Junho, 04 -Memorando enviado ao chefe do governo pelo general Kaúlza de
Arriaga, afirmando que «O esforço inimigo, em Moçambique ou relacionado com
este território, acentua-se cada vez mais». Prosseguia o general: «E aquele
inimigo tem melhorado e aumentado muito as suas possibilidades, tudo indicando
poder continuar a fazê-lo. É a infiltração constante de elementos inimigos e de
muito material. É a subtileza chinesa que: a. Por um lado, lhe confere
capacidade para, cada vez mais a Sul, aliciar e preparar para a acção violenta
massas populacionais sem que disso a nossa polícia se aperceba, em termos de
poder actuar ou de conduzir à actuação das Forças Armadas; b. Por outro lado,
lhe confere capacidade para, também cada vez mais a Sul, realizar pequenas
acções terroristas mas de grande projecção psicológica, logo seguidas de fuga
muito bem preparada e normalmente de diluição nas populações com detecção quase
impossível. É o equipamento russo moderno, como bazookas, canhões sem recuo,
RPG rebentando no ar, mísseis terra-terra de 122 mm, metralhadoras anti-aéreas
e, brevemente, mísseis terra-ar auto dirigidos, etc., que: a. Por um lado, lhe
confere em relação a nós superioridade no combate terrestre; b. Por outro, lhe
permitirá, dentro de pouco tempo, criar dificuldades aos nossos meios aéreos. É
a possibilidade do inimigo vir a empregar tropas regulares, lanchas equipadas
com mísseis e torpedos e mesmo aviões. E é a tremenda propaganda e acção
psicológica desenvolvida por todos os nossos adversários» (KAÚLZA DE ARRIAGA,
Guerra e Política, pp. 183-184).
Julho, 01 -Ataque a um táxi aéreo na Gorongosa, com a morte de um
passageiro espanhol, o general da Força Aérea Espanhola, Angel Garaizabal
Bastos, tendo ficado ferido um industrial de nome Enrique Osborne-Mac-Pherson.
Julho, 09 -Carta de Marcelo Caetano a Kaúlza de Arriaga anunciando-lhe o
fim da sua comissão em Moçambique: a carta fatal. A carta de Marcelo Caetano
contém uma crítica violenta e clara ao modo como ele exerceu o seu cargo:
"Reconheço a vantagem, para si, para Moçambique, para todos nós, em outra
pessoa rever os conceitos e as tácticas da acção anti-subversiva em
Moçambique".
Julho, 11 – Carta de Gonçalo Mesquitela, presidente da ANP em
Moçambique, para Marcelo Caetano, informando que em Moçambique se sentiam
preocupações no aspecto militar.
Julho, 31 -Último telegrama de Kaúlza de Arriaga como comandante-chefe
em Moçambique. O telegrama foi dirigido a Sá Viana Rebelo, Ministro da Defesa:
“Hoje, 31 de Julho de 1973, último dia do meu comando em Moçambique
permito-me referir a Vexa o seguinte: Não me considero detentor da verdade nem
do dom da infalibilidade contudo julgo que conceitos estratégicos e técnicos em
vigor em Moçambique face à conjuntura actual e face aos meios existentes são os
únicos válidos e que alterações profundas de tais conceitos poderão provocar o
desmoronamento de Moçambique. Julgo ainda insuficientes quantitativamente e
deficientes qualitativamente os meios existentes”.
Julho, 31 -Substituição de Kaúlza de Arriaga por Basto Machado no cargo
de comandante-chefe de Moçambique.
Agosto, 06 -Ataque da FRELIMO a Mocímboa da Praia, no Norte de
Moçambique. Os guerrilheiros desencadearam um forte ataque a Mocímboa da Praia
com foguetes 122mm, canhões sem recuo, morteiros e metralhadoras, causando
danos materiais nos quartéis e na dependência do Banco Pinto Sottomayor, sendo
ainda atingidas algumas residências, a pista de aviação e o aldeamento. O
ataque provocou um morto militar, um morto civil e 10 feridos graves.
Agosto, 12 -O engenheiro Jorge Jardim apresenta-se em Tete com o
jornalista Bruce London e descobre o local dos massacres de Wiriyamu.
Setembro, 12 -Conclusão de uma proposta para a solução do problema de
Moçambique elaborada por Jorge Jardim e Kenneth Kaunda, presidente da Zâmbia
(Programa de Lusaka).
Setembro, 13 -Um avião DC-3 transportando adidos militares e oficiais
superiores portugueses foi atingido por um SA-7 num dos motores na zona de Mueda.
Setembro, 24 -Ataque da FRELIMO ao comboio da linha férrea do Niassa
(Nacala-Catur), em Moçambique, causando 4 mortos e 14 feridos. Foi o primeiro
ataque nesta zona da linha
Novembro, 20 -Atingido um helicóptero civil que inspeccionava as linhas
de transporte de energia de Cahora Bassa.
Dezembro, 11 -Abatido um helicóptero em Teste. Durante uma operação de
largada de GEP, três helicópteros foram atingidos por tiros, sendo um deles
forçado a aterrar e posteriormente incendiado pelos guerrilheiros.
Dezembro, 22, 24 e 29 – Operações de forças rodesianas em Moçambique. As
forças especiais rodesianas dos SAS (Special Air Service) realizaram operações
na margem esquerda do Zambeze perseguindo um grupo de 15 a 20 guerrilheiros da
FRELIMO. Três soldados rodesianos foram feridos por fogo de morteiro e um
helicóptero foi forçado a aterrar em Macombe, depois de ter sido atingido por
tiros.
Janeiro, 01 – Ataques sucessivos da FRELIMO na zona Vila Pery, no Centro
do território de Moçambique. Na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro
guerrilheiros da FRELIMO atacaram o comboio-correio da linha Beira-Rodésia,
próximo de Gabuz e fizeram-no descarrilar, tendo simultaneamente flagelado com
tiros de armas automáticas. Descarrilaram cinco vagões e a via ficou destruída
ao longo de 300 metros. Às cinco da manhã o comboio de mercadorias de
Machipanda-Gôndola foi também atacado com armas automáticas. Duas viaturas
Chaimite foram emboscadas na estrada Beira-Machipanda, a oito quilómetros de
Manica. A população de Vila Pery manifestava já grande preocupação com o
agravamento da situação e acusava as forças armadas de passividade.
Janeiro, 08 -Queda de um avião DC-47 próximo de Vila Cabral (Niassa),
depois de atingido por tiro antiaéreo.
Janeiro, 14 -Ataque da FRELIMO à fazenda «Águas Frescas», próximo de
Manica, sendo morta a mulher do fazendeiro. A fazenda «Águas Frescas» estava
situada no concelho de Manica, a cerca de 17 quilómetros da cidade, e foi
atacada por um grupo de oito a dez guerrilheiros, cerca das 20h30. A mulher do
proprietário foi morta e um filho menor ficou ferido. Após o ataque
deslocaram-se ao local elementos da Companhia de Caçadores de Manica, da PSP e
da DGS. Esta morte causou grande perturbação entre os colonos da região, que
ameaçaram deixar as suas propriedades. O comércio em Manica fechou e
levantou-se entre a população europeia uma vaga de contestação contra os
militares portugueses, acusados de não os protegerem. Esta contestação alastrou
a Vila Pery e à Beira, onde se registaram manifestações contra os militares.
Janeiro, 17 -Manifestação da população branca da zona centro de
Moçambique, em especial na cidade da Beira, contra as Forças Armadas e os
militares, com confrontos físicos e alguns feridos.
Janeiro, 20 -Ataque da FRELIMO ao aeródromo de Mueda, no Norte de
Moçambique. Os guerrilheiros realizaram um primeiro ataque com foguetões de 122
mm e morteiros de 82 mm a partir do fundo da pista de Mueda, seguido de um
segundo ataque. Estes ataques foram levados a cabo com grande precisão de fogo,
tendo caído granadas junto ao hangar, às armas antiaéreas e ao paiol onde se
encontravam as bombas de 500 libras e as de napalm para serem colocadas nos
aviões. Também atingiram os bidões de combustível que arderam.
Janeiro, 22 -Jorge Jardim definiu o planeamento de aplicação do Programa
de Lusaca, admitindo o recurso a um golpe de Estado
Fevereiro, 05 -Chegada a Lisboa de Jorge Jardim para conversações com o
governo sobre a sua proposta para a resolução da questão de Moçambique,
negociada com os dirigentes da Zâmbia e supostamente apoiada por outros países
africanos, e também pela FRELIMO (Programa de Lusaca). Jardim avistou-se com
Marcelo Caetano, Kaúlza de Arriaga e Baltazar Rebelo de Sousa.
Fevereiro, 07 – Acção de fogo de armas ligeiras sobre um avião Dakota,
em Moçambique, provocando a morte de um oficial de artilharia. O avião da Força
Aérea voava de Nangololo para Mueda, sobre o vale de Miteda quando foi atingido
por tiros de armas ligeiras.
Fevereiro, 12 -Publicação do documento do Bispo de Nampula, D. Manuel
Vieira Pinto, "Imperativo de Consciência". D. Manuel Vieira Pinto já
tinha publicado, no início de Janeiro um importante documento, intitulado
“Repensar a guerra”, em que afirmara: “A guerra em Moçambique é, infelizmente,
uma realidade. E uma realidade que perturba, cada vez mais, as populações.
Iniciada em 1964 no distrito de Cabo Delgado, estendeu-se, ao longo destes
dolorosos dez anos, por cinco distritos e afecta hoje grande parte das
populações neles residentes; mobiliza milhares de homens, implica o dispêndio
de somas muito importantes, tem já no seu passivo milhares de vítimas”. E
resumindo, depois de enumerar os factores da paz e da guerra: “Parece que tudo
isto obriga a colocar a solução do conflito mais na acção política do que na
força das armas”.
Fevereiro, 21 – Acção da FRELIMO sobre o comboio-correio Sena-Inhaminga,
de que resultaram três mortos.
Março, 07 -Abatido um heli-canhão Alouette III no Niassa, na operação de
ataque à Base Beira que se situava na zona da Mataca (Niassa Ocidental). O
piloto, capitão piloto-aviador, morreu na acção e o sargento da tripulação
ficou ferido.
Março, 20 – Telegrama da DGS transmitindo a notícia de que existiam
mísseis SAM 7 na zona de Tete, em Moçambique.
Niassa: foi utilizado pela primeira vez um foguetão de 122mm, contra o
aquartelamento do Lunho (Niassa Ocidental) em 5 de Abril. Em consequência desta
acção as forças portuguesas retiraram do aquartelamento de Miandica. Existe a
ameaça de incremento de acções armadas e de sabotagem no sul, oriundas da base
Catur. Cabo Delgado: acções frequentes a norte do rio Messalo, ataque
concentrado sobre Nangade, grande esforço de politização da FRELIMO na zona da
estrada Montepuez-Porto Amélia e rio Lúrio com amplos resultados de subversão
das autoridades tradicionais tornando a situação preocupante. Tete: notícias
confirmadas de grande concentração de guerrilheiros bem armados na fronteira da
Zâmbia com a missão de realizar um ataque espectacular. Concentração de guerrilheiros
e de acções na estrada Moatize-Zobué, caminho-de-ferro, arredores de Tete,
Sabondo-Chiuta e Viúva Henriques.
Abril, 08 – O ministro da Defesa recebeu um enviado de Ian Smith, K.
Flower, que vinha propor o estabelecimento conjunto, incluindo a África do Sul,
de uma linha de defesa ao longo do Rio Zambeze, acompanhada por um maior
desenvolvimento dos Flechas em Moçambique. A linha proposta começaria no Zumbo,
continuava pelo lago de Cahora-Bassa e seguia o Zambeze até ao Índico. Para
Oeste prolongar-se-ia pela Rodésia até ao Caprivi e Angola. O enviado já se
tinha avistado com o primeiro-ministro Vorster, o ministro Botha e o almirante
Bierman da África do Sul e todos tinham apoiado a ideia do desenvolvimento dos
Flechas e prometeram debruçar-se sobre o assunto da linha de defesa. Silva
Cunha, ministro da Defesa, lembrou ao seu interlocutor que Portugal desejava
continuar os bons contactos que havia entre os três países, especialmente no
âmbito do “Exercício Alcora”, sendo conveniente não se criarem sistemas
paralelos de colaboração.
Abril, 12 – Reunião do Conselho de Defesa de Moçambique, onde foi
apreciada a situação militar, com base nas informações disponíveis.
Abril, 24 – A situação militar em Moçambique era muito grave nas
vésperas do 25 de Abril. Para além da continuação das acções nas zonas
tradicionais da guerrilha, a FRELIMO estava a infiltrar grupos cada vez mais
para sul, chegando à estrada Beira-Lourenço Marques, tendo também abatido três
aviões rodesianos que apoiavam as operações de contra-guerrilha das forças
portuguesas. Seguem-se as principais acções da Frelimo durante o mês de Abril.
01 -Em três acções no concelho do Chimoio e de Vila Pery, os
guerrilheiros da FRELIMO mataram um europeu empregado da serração local e
feriram outro, assaltaram uma cantina causando a morte de uma mulher africana e
capturaram um guarda rural, interceptaram na estrada Vila Pery–Beira, junto à
povoação de Gôndola, um camião e um tractor de um agricultor europeu,
incendiando-os. A DGS considerava que estas acções deviam ter sido cometidas
por um grupo de 50 guerrilheiros instalados na zona. Numa emboscada na estrada
Vila Pery-Beira foi morto um civil europeu e incendiado o seu camião. Outro
europeu, sócio do morto, foi dado como desaparecido. Rapto de um agricultor
europeu, vogal da Junta Distrital na estrada Chemba-Inahminga, junto à
fronteira com o Malawi.
02 -Ataque a Nangololo (Cabo Delgado). Um táxi aéreo da empresa Cadelte
foi atingido ao voar entre Mueda e Sagal (estrada Mueda-Mocímboa da Praia). Os
tiros atingiram o depósito de combustível e o avião ficou inoperacional em
Mueda. Os guerrilheiros destruíram a ponte sobre o rio Muirite, que dava
ligação de Mueda a Montepuez e que era o itinerário principal de
reabastecimento das forças portuguesas a partir de Nampula e de Porto Amélia.
Ataque a viaturas da CODAM na região de Mutarara e a viaturas da administração
do Posto de Sena.
03 -Ataque ao aldeamento de Nhadanga (Tete), com fuga de nove homens e
12 mulheres ali residentes. Ataque a Mueda com morteiro de 82mm, que caíram ao
longo da pista.
04 -Avião Camberra rodesiano abatido. Ataques a Mueda e Sagal.
Trabalhadores da cimenteira do Dondo (Beira) recusaram-se a trabalhar e a
transportar cimento da pedreira de Muanza alegando falta de segurança. A paralização
da cimenteira era particularmente grave pelos reflexos que tinha na construção
da barragem de Cahora Bassa.
05 -Ataque com uma bazuca a uma viatura civil na estrada Montepuez-Porto
Amélia provocando quatro feridos graves. A viatura transportava pesticidas da
companhia algodoeira Sagal.
06 -Detectadas minas entre Catur e Nova Freixo (Niassa Oriental). Ataque
ao destacamento da ponte do rio Sinheu perto de Nangololo, e a Nancatari
(Mueda). Ataque ao aldeamento de Biaque (norte de Porto Amélia) com morteiros e
bazuca causando cinco feridos graves e sete ligeiros. Ataque ao comboio na
linha de caminho-de-ferro Beira-Rodésia, junto a Inhaminga. A locomotiva foi
atingida por dois rockets.
Presos pela DGS dois europeus que chegaram à ilha de Matemo (Cabo Delgado),
frente ao Mucojo num barco de borracha. Um era português desertor e o outro
irlandês. A DGS já referenciara o uso de barcos de borracha por parte da
FRELIMO, especialmente no lago Niassa. Um grupo de seis elementos emboscou a
viatura do posto administrativo de Sena, durante uma hora e um quarto, ferindo
um guarda rural.
07 -Ataque às povoações de Boeza e Sangosge, na área do posto
administrativo de Sena (Tete), com fuga da totalidade da população com os
guerrilheiros. Emboscada executada por um grupo de três guerrilheiros a um
agricultor europeu na estrada Manica-Mavonde, a 12 quilómetros de Manica. Na
sequência da emboscada foi morto um guarda da PSP e quatro feridos civis, entre
os quais o agricultor.
08 -Ataque a Nambude (Cabo Delgado) por duas vezes no mesmo dia.
Emboscada na estrada Mueda-Nancatari com dois mortos e seis feridos. Ataque com
lança-foguetes a um camião da empresa Sagal, em Meza, causando quatro feridos
graves que foram evacuados para Mueda. Rapto de um agricultor europeu, vogal da
Junta Distrital da Beira em Murena/Sena.
09 -Ataque a um grupo da PSP no aldeamento de Mucombe (Norte de Vila
Pery) com a morte de um dos guardas rurais. Assalto a um armazém em Mazamba.
Emboscada a uma coluna na estrada Pungué-Vila Gouveia com ferimentos num
militar e destruição de uma viatura. Ataque ao aldeamento de Biaque, em Ancuabe
(Cabo Delgado) causando 13 feridos. Minas na estrada
Nancatari-Muirite-Montepuez, que causaram um morto e quatro feridos. Emboscada
a uma força de guardas da PSP que escoltava população no aldeamento Mucombeze
(Tete), sendo um dos guardas morto.
10 -Ataque a Mueda. Ataque ao aldeamento de Canchira (norte de Tete)
destruindo as palhotas e causando um morto e cinco feridos entre a população.
14 -Abatido um avião de reconhecimento rodesiano que caiu a norte do
Magué Velho (rio Zambeze) atingido por um míssil. A 18 de Abril o adido militar
português informou tratar-se de um avião em operações no norte de Tete que foi
abatido por um míssil de origem russa. O uso do míssil teve um efeito
desmoralizador sobre a força aérea rodesiana. Soube-se posteriormente que o
avião explodiu no ar tendo caído no Zambeze, junto ao Zumbo quando actuava
contra objectivos referenciados em território português.
14/15 -Assalto ao aldeamento de Geremane, na região de Vila
Coutinho/Caldas Xavier/Tete. Foram queimadas 16 casas e morto gado.
16 -Rapto de um agricultor europeu na estrada Tete-Vila Fontes-Beira.
Também foram queimados dois tractores e um armazém.
20 -Abatido em Tete um avião Trojan da Rodésia. Em mensagem de
Salisbúria de 26 de Abril, o adido militar português informava que em 15 dias
era o terceiro avião abatido no norte de Tete e seis os tripulantes mortos.
21 -Ataque da FRELIMO a dois camiões na estrada Nacional Beira-Lourenço
Marques. Neste ataque na principal estrada de Moçambique, um grupo de sete
guerrilheiros atacou dois camiões civis, incendiando um, cujo condutor fugiu e
matando o outro. Uma hora depois, o mesmo grupo interceptou outros dois camiões
seis quilómetros mais a sul, matando os dois motoristas. Os corpos foram
entretanto recuperados e transportados para Vila Pery, causando grande
perturbação na população. Estes ataques revelam o à-vontade com que a FRELIMO
actuava na principal via de comunicação de Moçambique.
Greve de maquinistas dos caminhos-de-ferro de Moçambique. Em Lourenço
Marques, os maquinistas paralisaram o trabalho, exigindo melhores remunerações
e regalias, interrompendo o tráfego para a África do Sul. Quatro viaturas civis
foram atacadas na estrada Vila Pery–Vila Machado. Entre Inhope e Save três
condutores europeus foram mortos e um foi recuperado com vida.
Em resumo, não se vê, perante esta lista de ocorrências, como seja
possível considerar que as forças armadas controlavam a situação, quando parece
evidente, mesmo sem os fatos serem exaustivos, que a situação se degradou
continuamente ao longo dos anos e estava fora de controlo, como assumem os
atores principais e como demonstram as suas ações. Assim: no Norte, em Cabo
Delgado, as ações militares violentas tinham descido do paralelo do rio Messalo
para sul do paralelo Montepuez-PAmélia, no Niassa estas ações ocorriam na linha
de caminho de ferro Nacala-Nampula-Catur. Em Tete, apesar da constituição de
comandos específicos como do da defesa de Cabora Bassa, do COFI, do Setor F, da
ZOT, do milhão de aldeados, dos efetivos sempre em crescendo, toda a península,
nas margens esquerda e direita do Zambeze era zona de combate e ações militares
da FRELIMO, que provocaram a fuga de populações negras e o abandono da região
por parte dos europeus aí estabelecidos; uma situação que levou à intervenção
continuada de forças rodesianas. Na zona Centro as ações de guerrilha tinham
chegado à Zambézia e ao Chimoio e estavam a duas centenas de quilómetros da
Beira. A igreja católica manifestava clara oposição à guerra e congregava
populações contra ela, retirando-as do controlo das forças armadas e das
autoridades, os dirigentes políticos mais perto do regime (caso de Mesquitela),
manifestavam preocupação ao chefe do governo, a personalidade mais influente no
território, o engenheiro Jardim, fazia tentativas de encontrar por ele e
provavelmente com o apoio do primeiro-ministro, uma alternativa à continuação
da guerra, que ele considerava perdida, com o programa que apresentou ao
presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda e que ficou conhecido como o primeiro
programa de Lusaka. O grosso dos meios estava empenhado na defesa de Cabora
Bassa e nas linhas de reabastecimento à barragem. Nas zonas restantes as forças
portuguesas corriam atrás dos acontecimentos.
Guiné
Mas, se a situação de Moçambique era a que foi apresentada, a da Guiné
era ainda pior, na altura.
Alguns exemplos dos anos de 1973 e 1974, porventura bastante diferentes
dos que hoje servem de base às conclusões:
Janeiro, 22 – Do relatório da visita à Guiné do CEMGFA, general Costa
Gomes: “O crescente aumento da actividade inimiga e do seu potencial de combate
e, ainda, o crescente apoio externo que vem recebendo, deixam antever o agravamento
da situação militar; o aumento do potencial militar, quando encarado sob o
ponto de vista das novas armas de que o inimigo dispõe já, ou que virá a dispor
muito em breve, constituem indício seguro duma próxima subida de patamar na
conduta da guerra” (…) “O êxito da manobra de contra-subversão depende, no
campo interno, das possibilidade de atribuição dos meios necessários para
assegurar a continuidade, no mínimo ao ritmo actual do esforço socioeconómico
que está a ser desenvolvido” (…) “Os militares do QP denotam vestígios de
cansaço e quebra psicológica mais acentuados após cada comissão, sendo urgente
medidas eficazes que se oponham a esta tendência e que garantam o
rejuvenescimento”.
Março, 06 -Carta do general Spínola a Marcelo Caetano sobre a evolução
da situação na Guiné e a necessidade de medidas de natureza política. Spínola
tenta mais uma vez convencer Marcelo Caetano da necessidade de proceder a
reformas políticas que vão no sentido da maior autonomia das colónias. Embora o
incentive com alguns elogios: “a minha total identificação com o pensamento
político de Vossa Excelência, em hora feliz sintetizado nas fórmulas «unidade
na diversidade» e «autonomia progressiva», únicas a meu ver portadoras de uma
solução para o problema do Ultramar” sente agora, em 1973, dúvidas sobre a
solidez do apoio de Marcelo Caetano a esta via autonomista e sentia ainda a
reacção do grupo organizado atrás de Américo Tomás que se opunha a qualquer
mudança. São as questões que vêm da conversa que ambos tiveram em Lisboa onde
Marcelo Caetano proibiu Spínola de prosseguir os contactos com Senghor para
chegar a Amílcar Cabral e ao PAIGC. Spínola percebe que Caetano não tem
qualquer solução para o problema colonial a não ser a continuação da guerra e,
com lealdade, diz-lho. Esta é uma declaração de ruptura: “Abordou Vossa
Excelência problemas de fundo nas duas últimas conversas que tivemos. E esses é
que me vêm preocupando, atenta a possibilidade de se vislumbrar, através das
opiniões escutadas, a intenção de rever determinados princípios em que baseei a
minha acção política na Guiné. Afirmou-me Vossa Excelência que, tendo os
africanos optado pela intolerância face à presença do branco, qualquer solução
política corresponderia a apressar a nossa saída de África, de onde é legítimo
concluir que apenas nos resta impor pela força das armas; ouvi também a Vossa
Excelência a opinião de que mais facilmente aceitaria uma derrota militar na
Guiné do que uma solução política que implicasse quaisquer concessões; e,
anteriormente, já Vossa Excelência, perante a perspectiva de um cessar-fogo (a
proposta de Senghor), me tinha expressado a opinião de que considerava
inconveniente o termo da guerra da Guiné por tal facto originar a deslocação da
luta para Cabo Verde”.
Spínola expressa a sua apreensão por estas opções de Marcelo, que ele
“julgava totalmente arredadas do espírito de Vossa Excelência”: “Uma tal
hipótese, a meu ver só nos oferece como alternativa o prolongamento da actual
situação de desgaste até que a Nação se esgote ou, a exemplo da Índia,
sobrevenha uma derrota militar, que outras alternativas não vejo se nos
ofereçam na hipótese de rejeição das soluções políticas”.
Depois dos ataques a Guidage e da queda de Guileje, em Maio, confirmada
a incapacidade das forças portuguesas de manterem a posse de parcelas
significativas do território, mas antes da declaração unilateral de
independência por parte do PAIGC, Spínola deixará o Governo da Guiné e o
Comando-chefe das suas forças armadas em Agosto.
Março, 25 -Primeira utilização dos mísseis terra-ar Strella pelo PAIGC,
com o abate de um avião Fiat G-91.
Março, 28 -Na Guiné, outro avião Fiat G-91 foi atingido por um missil
SAM-7 Strela, morrendo o piloto, o tenente-coronel Almeida Brito.
Esta morte obrigou ao estudo das tácticas operacionais adequadas para
minimizar os riscos. Com o aparecimento dos SA-7 Strela houve dificuldades
iniciais na habituação dos pilotos e nas tácticas a utilizar.
Abril, 06 – Abatido um avião DO 27 na Guiné.O avião transportava o major
comandante do COP3 e foi abatido junto a Talicó, no Norte. Na mesma região e na
mesma semana tinha sido abatido um avião T6.
Abril, 6-7 -Hipótese de suspensão dos voos da TAP para Bissau. Após o
abate de aviões da Força Aérea por mísseis Strella, a Força Aérea levantou a hipótese
de suspender as operações de aterragem e descolagem dos Boeing da TAP no
aeroporto de Bissau.
Maio, 05 -Reunião de comandos militares em Bissau para apreciação da
situação militar, declarando o general Spínola que as implicações da carência
de meios para enfrentar a ofensiva do PAIGC conduziam a opções que
ultrapassavam a sua esfera de responsabilidade. O Comando-Chefe das Forças
Armadas na Guiné fazia a seguinte avaliação das possibilidades do inimigo:
“-Intensificar a acção anti-aérea, em ordem a retirar-nos a liberdade de
acção no ar;
-Incrementar a acção da guerrilha em ataques a aquartelamentos e
emboscadas a colunas;
-Massificar as acções contra as povoações com guarnição militar, em
ordem a obter sucessos politicamente exploráveis.
Esta actividade incidirá nas guarnições de fronteira, em especial as
acções com carros de combate, pelo que se consideram áreas de preocupação:
-O eixo Nova Lamego -Buruntuma (LESTE);
-A região de Aldeia Formosa, em especial Gadamael e Guileje, expostas a
acção de carros de
combate;
-A fronteira Norte (Guidage/Bigene);
Num futuro próximo prevê-se que o inimigo:
-Intensifique a resistência à reocupação do Sul (Cantanhez);
-Incremente a sua actividade contra meios navais;
-Tente a eliminação sistemática de guarnições mais expostas sobre a
fronteira;
-Estabeleça no Boé a fisionomia de um novo Estado, a proclamar;
-Consolide as bases de uma ulterior evolução do conflito para a fase convencional,
com directo empenhamento externo.”
Spínola resumiria esta análise do seguinte modo: “afiguram-se-nos
manifestamente insuficientes os meios actuais face à evolução verificada, pois
considero demonstrada à evidência a impossibilidade de alterar a manobra para
economizar meios sem grave prejuízo da missão. Esta situação de insuficiência
agudiza-se ainda pelas perspectivas de intervenção externa na Guiné. Neste
quadro geral impõe-se tomar medidas em dois planos distintos: o interno, com
reflexo imediato nas adaptações aos novos condicionalismos determinados pela
nossa quebra no potencial relativo de combate e o externo, que se traduz no
reforço de meios, equipamento e armamento a obter para o prosseguimento da
missão”.
Maio, 08 -Início do ataque do PAIGC ao quartel de Guidage, no Norte da
Guiné. A 8 de Maio, o PAIGC lançou uma ofensiva concentrada de envergadura
contra Guidage, unidade situada mesmo junto à linha de fronteira com o Senegal.
Para garantir a defesa de Guidage, o comando-chefe da Guiné teve que enviar
para a zona um conjunto elevado de unidades e tropas especiais, comandos,
pára-quedistas e fuzileiros, bem como unidades de artilharia e mesmo de
cavalaria. Na operação de auxílio, reabastecimento e contra-ofensiva, que durou
de 8 de Maio a 8 de Junho de 1973, estiveram envolvidos mais de mil homens (na
maioria tropas especiais) das Forças Armadas portuguesas. As forças portuguesas
sofreram 39 mortos e 122 feridos. Pelo menos seis viaturas militares de vários
tipos foram destruídas e foram abatidos três aviões, um T6 e dois DO27. Só a
guarnição de Guidage contabilizou sete mortos e 30 feridos. Nos cerca de 20
dias que ficou cercada esteve sujeita a 43 ataques com foguetões de 122 m/m,
artilharia e morteiros. Todos os edifícios do quartel foram danificados. A
unidade, que, no conjunto, teve mais mortos foi o Batalhão de Comandos, 10 no
total. Sofreu ainda 22 feridos, quase todos graves, e três desaparecidos.
Maio, 15 -Reunião de comandos militares em Bissau, para apreciação da
situação militar. Durante esta reunião, e na posse de notícias preocupantes
sobre a actividade militar do PAIGC, principalmente a que se desenvolvia sobre
Guidage, Spínola declarou: "Encontramo-nos indiscutivelmente na entrada de
um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do
trinómio missão-inimigo-meios". Referiu também que as implicações da
carência de meios para enfrentar a ofensiva do PAIGC conduziam a opções que
ultrapassavam a sua esfera de responsabilidade.
Maio, 17 -Início da operação "Ametista Real", em que o
Batalhão de Comandos da Guiné assalta a base de Cumbamori, do PAIGC, situada em
território do Senegal. A operação destinava-se a aliviar o cerco do PAIGC a
Guidaje e a permitir o reabastecimento daquela guarnição.
Só a destruição da base de Cumbamori, a grande base do PAIGC no Senegal,
na península do Casamança, permitiria pôr fim ao cerco a Guidage. A operação
era difícil e de resultados imprevisíveis. O ataque ao Senegal foi atribuído ao
Batalhão de Comandos Africanos, comandado pelo major Almeida Bruno – que tinha
por hábito atribuir às acções militares o nome de pedras preciosas: esta ficou
‘Operação Ametista Real’.
Maio, 18 -Início da operação "Amilcar Cabral" realizada por
forças do PAIGC contra o quartel de Guilege no Sul da Guiné. Este ataque foi
conjugado com o ataque a Guidage, pretendendo o PAIGC isolar as guarnições de
fronteira. A 18 de Maio, na zona Sul, junto fronteira com a Guiné-Conacri, as
unidades do PAIGC concentraram as suas forças de infantaria e de artilharia ao
redor de Guileje, preparando um ataque de grande envergadura, que apontava para
uma tentativa de tomada do quartel.
Maio, 22 -Retirada da guarnição portuguesa do quartel de Guilege, no Sul
da Guiné, para Gadamael-Porto, depois de cinco dias de contínua flagelação pelo
PAIGC, que ocuparam a base.
Maio, 22 -Notícia da DGS referindo que o PAIGC tinha em Simbeli
(Guiné-Conacry) viaturas blindadas para serem utilizadas contra Guileje,
Gadamael e Bedanda. Algumas destas viaturas foram mais tarde referenciadas em
Bedanda.
Maio, 25 – Início de uma visita de Costa Gomes, chefe de Estado-Maior
General, à Guiné. Informado da grave situação que se vivia na Guiné, Costa
Gomes deslocou-se para o território, onde acompanhou a última fase das
operações e analisou as medidas a tomar para garantir a manutenção duma
capacidade militar mínima para garantir o exercício da acção do governo.
Maio, 28 -Despacho do Ministro da Defesa que autoriza um elevado
conjunto de unidades a permanecerem na Guiné, para além do seu período de
comissão.
Maio, 30 – Memorando do secretário de Estado da Aeronáutica (Pereira do
Nascimento) enviado ao Ministro da Defesa, acerca das necessidades de
equipamentos para que a Força Aérea tivesse capacidade para enfrentar as novas
ameaças que surgiam nos teatros de operações. Neste estudo dizia-se que “o
inimigo podia intervir esporadicamente com aviões isolados ou parelhas para
exercer pressão ou interferir no controlo de áreas nacionais, dependendo dos
países fornecedores dos meios aéreos. Factos recentes ocorridos na Guiné e
notícias de fornecimento de aeronaves de vários tipos (MIG, Mirage, Aeromachi,
helicópteros) a países limítrofes dos TO, notícias de estar em treino de
pilotagem na Rússia e na Chiba um volume importante de pessoal daqueles países,
apoio agressivo da OUA aos movimentos terroristas anti-portugueses, obriga a
considerar a possibilidade de ameaça aérea para efeitos de defesa aérea e a dar
prioridade à aquisição de aviões de caça modernos”.
Maio, 30 -Síntese da situação da Guiné. Durante o mês de Maio de 1973 as
forças portuguesas na Guiné sofreram 63 mortos, 269 feridos e um prisioneiro,
tendo o PAIGC realizado 166 ataques a posições militares portuguesas, 36
emboscadas, 12 ataques contra aeronaves, um contra embarcações, e implantado
105 minas, das quais 66 foram accionadas por militares portugueses, o que dá
ideia do agravamento da situação sofrida na Guiné em 1973.
Junho, 04 -Proposta de António de Spínola para atribuição à Guiné de uma
Companhia de Sapadores com o fim de reforçar os meios de levantamento de campos
de minas lançadas pelo PAIGC em torno de alguns quartéis.
Junho, 08 -Reunião de Comandos em Bissau com a presença de Costa Gomes,
para análise da situação na Guiné, de que resultou a orientação -remodelar o
dispositivo, trocar espaço por tempo.
Foram analisados os factores que caracterizavam a situação e as “claras
perspectivas do seu contínuo agravamento” e definidos os “parâmetros
orientadores da manobra face à conjuntura e à sua evolução”.
Possibilidades
do PAIGC
Com estas forças e estes meios o comando português considerava possível
que o PAIGC pudesse atacar com sucesso qualquer das guarnições das sedes dos
Batalhões da fronteira Norte, como já tinha atacado Guidaje.
Que pudesse atacar com sucesso as duas guarnições de batalhões junto à
fronteira: Piche e Aldeia Formosa, ou atacar as guarnições de companhias em
Canquelifá, Buruntuma, Gadamael e Cacine. A curto e médio prazo, associado à
intervenção de uma força aérea inimiga, afectar ou destruir os órgãos de
comando e logísticos em Bissau, Bafatá e Nova Lamego.
A manobra de
Spínola
A manobra proposta para fazer face a estas possibilidades foi uma acção
retardadora em profundidade para “ganhar tempo e consolidar um reduto final que
in extremis, ainda possa permitir a solução política do conflito”.
Para a constituição deste reduto eram considerados pontos-chave a manter
a todo o custo: Aldeia Formosa, Cufar, Catió, Farim, Nova Lamego, e Bafatá, a
Ilha de Bissau, associada às regiões de Bula e de Mansoa.
O dispositivo proposto: um reduto central A situação aconselhava a um
retraimento do dispositivo militar português que devia ficar com todas as
unidades aquém da linha geral Rio Cacheu – Farim – Fajonquito – Paunca -Nova
Lamego Aldeia Formosa -Catió, para evitar o aniquilamento das guarnições de
fronteira.
Foi neste novo dispositivo que Spínola e Costa Gomes acordaram em 8 de
Junho.
Esta solução de último recurso tem sido apresentada como prova de que no
seu regresso a Lisboa, Costa Gomes considerou a situação da Guiné como
controlada e que o território era defensável quando era, como hoje se sabe, a
única viável das três que lhe foram apresentadas por Spínola num memorando do
comando-chefe: redução da área a defender; conservação do atual dispositivo sem
qualquer reforço, à luz de um espírito de defesa a todo a custo; reforço do
teatro de operações em ordem a manter a superioridade sobre o inimigo.
O general Costa Gomes, que tinha visitado a Guiné em Junho de 1973, emitiu
a opinião de que, perante a impossibilidade de dotar a Província com os meios
necessários à sua defesa, a única alternativa seria a de um retraimento do
dispositivo com o abandono de largas áreas do território ao longo da fronteira.
Esta solução é a clara admissão de que as forças portuguesas abdicavam
da posse de boa parte do território da Guiné e das suas populações para se
concentrarem num reduto central. A soberania portuguesa seria assim apenas
formal e enquanto pudesse sê-lo porque, a partir da declaração de independência
que o PAIGC veio a fazer em Setembro, e logo reconhecida por 88 países, este
reduto seria sujeito a ataques que poderiam contar com forças regulares de
países africanos e que teriam justificação face ao direito internacional, pois
Portugal já era considerado pelas Nações Unidas como ocupante ilegal do
território. O reduto central seria militarmente e politicamente cada vez mais
indefensável.
Com a adopção de uma estratégia deste tipo, o governo português
sujeitava as forças armadas a uma derrota humilhante e o país a uma situação de
vexame internacional.
Julho, 30 -Directiva 25/73, do Comando-chefe da Guiné, a última
directiva operacional de Spínola, com o titulo “Conduta da Manobra na Época das
Chuvas”. Nos aspectos condicionantes da manobra a Directiva considera que, no
plano externo se desenhava “cada vez com mais clareza, especialmente ao nível
da OUA, um clima altamente favorável ao empenhamento directo de forças
africanas ao lado do PAIGC, apresentando-se o período de funcionamento da
Assembleia Geral da ONU, em Setembro próximo, como o momento oportuno para
desencadear um golpe político e militar decisivo sobre esta PU”. E no plano
interno, que, “apesar de nítido agravamento da situação verificado no TO,
mantém-se o nível geral de adesão das populações (…), mas é também sua
tendência colocar-se do lado do mais forte…”. No campo militar, que “o In tem
evoluído progressiva e continuamente no seu conceito de manobra, concentrando
forças para a conduta de operações do tipo clássico, sobre objectivos
seleccionados, nas quais conjuga as concentrações maciças de fogo com as acções
de envolvimento e também no seu potencial militar, tanto humano como material,
com o emprego de mercenários e das modernas e eficientes armas dos arsenais
russo e chinês.” O comentário do Secretariado Geral de Defesa Nacional em
Lisboa a esta análise de Spínola foi o seguinte: “Embora se possa considerar
uma visão algo pessimista da situação tem que admitir-se como possibilidade
real de evolução.”
Novembro, 27 -Carta do Comandante da Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde,
expondo a situação difícil naquele território. O comandante da Zona Aérea de
Cabo Verde e Guiné (ZACVG), coronel José Lemos Ferreira, que havia substituído
o coronel Moura Pinto, enviou uma carta ao Chefe de Estado-Maior das Forças
Armadas a expor a situação que se vivia na Guiné.
Relativamente à independência declarada pelo PAIGC em Setembro afirmava:
“(…) julgo dever começar por referir que a chamada independência da
«Guiné-Bissau» e o subsequente reconhecimento por um vasto número de países
criou, mau grado a verdade da tese nacional e dos nossos desejos, uma
conjuntura nova irreversível, plena de perspectivas adicionais vis-a-vis a
anterior e susceptível das mais diversas intromissões desde as pressões
políticas à intervenção armada directa ao lado do PAIGC de forças militares de
países africanos ou quaisquer outros do denominado bloco socialista.”
A situação na
Guiné, do ponto de vista da Força Aérea
Depois de referir as possibilidades militares do PAIGC, que incluíam o
patrulhamento aéreo feito por aviões MIG15 e 17 da República da Guiné Conacri,
da eliminação de duas guarnições portuguesas junto da fronteira, a existência
de blindados e de armas antiaéreas e anticarro, de mercenários e de lembrar a
afirmação do PAIGC de que a guerra terminará antes do fim da época seca de 1974
com a derrota do dispositivo militar português, o coronel piloto-aviador Lemos
Ferreira afirmava: “Sabendo-se que a sobrevivência militar nesta Província
Ultramarina assenta quase exclusivamente no pessoal e nos meios da Força Aérea,
por ser patente que as FT (Forças Terrestres) não parecem capazes de suportar e
reagir a um safanão forte por razões conhecidas, nomeadamente a sua reduzida
motivação, deduz-se o risco de, apesar de sermos aqueles que mais intensamente
procuramos remar contra a maré, acabarmos por ser o «pião das nicas» por não
termos realizado o milagre integral, ou seja, impedir todo e qualquer ataque
inimigo!”. E prosseguia, mais adiante: “(…) é importante referir que o
calendário da Guiné marcha em acelerado devendo entender-se as semanas como
meses! Isto é, parece-me não haver tempo para perder em grandes estudos e
congeminações, urgindo realizar, mesmo correndo o risco de não atingirmos a
optimização das soluções”.
Dezembro, 04 -A guarnição de Buruntuma (Leste da Guiné) avista uma
parelha de aviões MIG17 sobre o seu quartel. Os dois aviões realizaram um voo
relativamente baixo às 09H20, com ligeira picada sobre o aquartelamento.
Janeiro, 03 -Flagelação do PAIGC a Canquelifá com mais de 100 foguetões
de 122 mm e 50 granadas de morteiro durante mais de 10 horas. Canquelifá era
uma posição ocupada por uma companhia de caçadores, junto à fronteira com o Senegal, que dependia do Batalhão de Piche, na
área do Gabu (Leste). Esta flagelação causou um morto, um ferido e a destruição
total da “tabanca” que se situava à volta d quartel.
Era o início do grande ataque do PAIGC às guarnições do Leste. No mesmo
dia o destacamento de Copá, junto à fronteira e a 15 quilómetros de Canquelifá,
onde se encontrava um pelotão de caçadores da companhia de Bajocunda, foi
atacado durante duas horas com 50 granadas de morteiro. Também foi atacado o
destacamento de Buruntuma, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, com mais de
cem foguetões e 50 granadas de canhão sem recuo.
Janeiro, 04 – Ataque a Piche, sede do Batalhão.
Janeiro, 06 – Ataques do PAIGC a Canquelifá com 50 foguetões de 122mm
durante três horas e a Buruntuma durante 50 minutos com 30 foguetões de 122mm.
Nos ataques a Copá e a Canquelifá o PAIGC empenhou três grupos de foguetões de
122mm, uma bateria de artilharia e um bigrupo da Base de Foulamory (República
da Guiné) e o CE 199/A/70 da Base de Karoné com um grupo de morteiros, três
bigrupos de infantaria e um grupo de sapadores.
Janeiro, 07 – Emboscada do PAIGC na estrada Bajocunda – Copá, na Guiné.
Nesta emboscada o PAIGC empregou RPG 7, RPG 2 e armas automáticas, tendo as
forças portuguesas sofrido dois mortos, sete feridos graves e 12 ligeiros.
Neste dia foi flagelado de novo o destacamento de Copá com morteiros de 120 mm
e de 82 mm, provocando a fuga da população.
Janeiro, 07 – Operação Minotauro, na zona de Canquelifá, tendo uma força
do recrutamento local interceptado um grupo do PAIGC com 50 elementos,
causando-lhe 22 mortos confirmados. Janeiro, 07 – Disparos de mísseis Strela
contra dois aviões Fiat G91 em Bedanda, Guiné.
Janeiro, 08 – Destruição, pelo PAIGC, com cargas explosivas do pontão na
estrada Pirada-Bajocunda sobre o rio Mael Jaube.
Janeiro, 09 – Ataque com RPG e armas automáticas a quatro helicópteros e
um heli-canhão em operações na região de Canquelifá.
Janeiro, 20 -Ataques do PAIGC a várias guarnições militares no Sul da
Guiné. Para celebrar o 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, o PAIGC
desencadeou uma série de ataques aos aquartelamentos portugueses da região do
Cantanhez. Foram atacados Cafal, Cadique e Columba, cujas guarnições
participavam na reocupação do Cantanhez, Catió, onde se situava a sede do CAOP1
que comandava a operação, além de Bedanda e Coluba.
Janeiro, 21 -Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento
de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana
depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade
frequentado por militares portugueses
Janeiro 31 – Novo ataque do PAIGC a Canquelifá, próximo da fronteira do
Senegal. O ataque foi feito com 50 foguetões de 122mm durante duas horas,
causando grandes prejuízos materiais no aquartelamento, além da destruição de
um canhão sem recuo 10,6 e do respectivo jipe porta-canhão. Um avião militar
português Fiat G 91 foi abatido com um míssil Strela a sul de Canquelifá. O
piloto ejectou-se e foi recuperado na povoação de Dunane no dia seguinte.
Fevereiro, 05 -Operação Gato Zangado na região de Bajocunda, junto ao
marco de fronteira 65, com a captura de uma viatura no interior da Guiné.
Fevereiro, 08 – Ordem de retirada do destacamento militar português de
Copá, no Leste da Guiné.
Fevereiro, 16 -Ataque do PAIGC a lanchas da Marinha no Rio Cacheu, na
Guiné. O PAIGC atacou com morteiros, RPG e armas automáticas a LDG Montante e a
LFG Dragão, que escoltavam um comboio logístico, junto à foz do rio Olossato.
Os DFE 1 e DFE 5 que estavam emboscados reagiram.
Fevereiro, 24 -Novo ataque do PAIGC a Canquelifá com elevados prejuízos
materiais
Fevereiro, 26 -Atentado num café de Bissau.
Este atentado seguiu-se a outros ataques a autocarros da Força Aérea.
Duas granadas de mão defensivas com disparador de atraso explodiram no recinto
do café Ronda, em Bissau, causando cinco feridos graves e 44 feridos ligeiros
entre os militares e um morto e 13 feridos entre os civis.
Março, 18 -A guarnição de Canquelifá foi de novo atacada com foguetões
de 122 mm, morteiros de 120 mm e canhão sem recuo, durante quatro horas,
causando um morto e cinco feridos às forças portuguesas e danos materiais. No
dia seguinte, novo ataque durante várias horas, que causou dois feridos graves
aos militares e mais danos materiais.
A situação ameaçava tornar-se insustentável e Nino, o comandante do
PAIGC para a Frente Leste, estava à beira de conseguir um novo sucesso com a
ocupação duma guarnição portuguesa.
O ataque do dia seguinte, 20 de Março causou três mortos e feridos
graves à população.
Nesta data, as forças portuguesas em Canquelifá eram constituídas por
uma companhia de Caçadores reforçada por um pelotão doutra companhia, por um
pelotão de Artilharia de 14 cm, por uma esquadra de canhões sem recuo e por
dois pelotões de milícias. O comandante da guarnição era um jovem capitão
miliciano.
No ataque do Batalhão de Comandos às bases de fogos do PAIGC foram
feitos 26 mortos, entre os quais elementos de origem europeia, e foram
capturados três tubos de morteiros de 120 mm, cinco bipés de morteiro de 120
mm, quatro pratos base, três atrelados de transporte, 367 granadas de 120 mm,
279 espoletas, um RPG 7. O Batalhão de Comandos sofreu seis mortos e um
desaparecido.
Estas acções começavam a assumir características de combates de posição.
Março, 22 -Emboscada na estrada Piche-Nova Lamego com 200 elementos do
PAIGC que causou cinco mortos e cinco feridos graves e 11 ligeiros às forças
portuguesas e a destruição de uma Chaimite do Esquadrão de Reconhecimento de
Bafatá, de uma viatura blindada White e de uma Berliet.
Março, 26-27 – Encontro secreto, em Londres, de um representante do
Governo português, o diplomata José Manuel Villas-Boas Vasconcelos Faria, com
uma delegação do PAIGC, para negociações sobre o problema da Guiné.
Março, 31 -Violento ataque do PAIGC à guarnição militar portuguesa de
Bedanda, com utilização de viaturas blindadas.
O PAIGC atacou Bedanda com morteiros de 120mm e foguetões de 122mm, RPG2
e RPG7, armas automáticas e outras armas pesadas montadas em duas viaturas
blindadas tipo auto-metralhadora. O ataque durou cerca de duas horas e meia e
causou dois mortos à população e elevados prejuízos materiais no aquartelamento
e na povoação.
Abril, 10 -Referenciadas viaturas blindadas do PAIGC e ataque com um
míssil antiaéreo a um avião dos Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa (TAGP),
na região de Farim.
O comando militar português assinalava no seu relatório periódico que o
inimigo vinha orientando o seu esforço para a Zona Sul, onde continuava a
revelar elevado potencial de combate, do qual ressaltava o emprego de viaturas
blindadas, o que fazia pela primeira vez no interior do território. As viaturas
blindadas foram detectadas num ataque a Bedanda, no Sul da Guiné.
Esta era a situação da Guiné, uma situação crítica. Com este quadro, é
enorme a dificuldade em perceber-se a que “Vitória traída” se referia o último
governador e comandante-chefe da Guiné, general Bethencourt Rodrigues, um dos
autores do livro, sendo ainda mais difícil perceber como seja possível concluir
que a situação estava sob controlo das forças armadas e podia ser mantida,
quando está hoje disponível o conhecimento factual da situação através do
estudo e da investigação da documentação da época e dos testemunhos entretanto
publicados.
Situações
críticas e fora de controlo
Perante estes exemplos, parece evidente que as Forças Armadas
Portuguesas tinham perdido progressivamente o controlo nos teatros de operações
de Angola, Guiné e Moçambique, e que essa perda era já assumida na Guiné, onde
fora decidido pelo general comandante-chefe e pelo chefe de Estado-Maior
General das Forças Armadas concentrar os efetivos num reduto central para criar
aí uma aparente zona de refúgio que simbolizasse a soberania portuguesa. O
abandono de populações que sempre havia defendido, que esta manobra implicava,
foi uma das causas da exigência de sair rapidamente da Guiné do general
Spínola.
A situação em Moçambique era também de assumida incapacidade das forças
armadas garantirem o controlo no norte e na zona vital do centro; o que levou o
engenheiro Jorge Jardim a ensaiar soluções de compromisso com a Zâmbia, para
chegar à FRELIMO (Programa de Lusaka) e a que os aliados, África do Sul e
Rodésia, revelassem cada vez maiores preocupações com o agravamento da situação
e a falta de controlo.
Em Angola, não sendo a situação crítica, havia uma ameaça real e
reconhecida de ataque no Norte com forças convencionais da República do Zaire,
para as quais as forças portuguesas não estavam preparadas e que não podiam
controlar. No Leste o programa de aldeamentos de populações não era de modo
algum um sucesso e o controlo de guerrilheiros também não. Eram necessários 35
mil homens, apoiados pelos melhores meios de combate disponíveis e o apoio da
África do Sul para controlar um milhão de habitantes dos quais 800 mil estavam
confinados em aldeamentos, o que não pode ser considerada uma situação
favorável nem, muito menos, vitoriosa do ponto de vista militar.
A situação dos
três teatros
Os acontecimentos listados anteriormente permitem concluir que as forças
armadas portuguesas não controlavam a situação nos três teatros de operação e
que a situação era crítica em dois deles (Guiné e Moçambique). Essa conclusão
retira-se da lista de acontecimentos anteriores.
Na Guiné e no Norte de Angola, as forças portuguesas não tinham
capacidade para fazer face a uma ameaça convencional tida por possível,
provável e eminente. Esta ameaça convencional poderia ser
executada pelos próprios movimentos independentistas, caso da Guiné,
dado o reconhecimento pela comunidade internacional da independência declarada
pelo PAIGC, ou por forças de países africanos sob a égide da OUA, dadas as
resoluções da ONU a propósito da ilegitimidade da soberania portuguesa sobre os
territórios. Mais uma vez, nesta guerra, não há vitórias militares, e as
condicionantes políticas quer internas, quer externas são determinantes. Parece
pois evidente que as forças portuguesas não tinham capacidade para controlar a
situação nem a da época, nem, muito menos, a futura previsível.
Foi este reconhecimento que levou o comandante-chefe de Angola a
solicitar em Fevereiro de 1974 o já referido reforço de meios aéreos da África
do Sul e a admitir a incapacidade das suas forças para se oporem a um inimigo
com alguma capacidade convencional. No Leste, apesar de 80% da população
aldeada e da presença de 35 mil homens, os guerrilheiros da SWAPO continuavam a
passar para o Sudoeste Africano, e o MPLA continuava com capacidade para
politizar as populações não aldeadas, algumas das quais retiradas dos
aldeamento sob controlo nacional.
Na Guiné, o comandante-chefe admitia a possibilidade do inimigo ocupar
uma ou duas sedes de Batalhão na fronteira, o chefe da força aérea admitia não
ter meios para executar o apoio às forças terrestres e que estas não combatiam.
Em resultado da análise do comandante-chefe da Guiné e do CEMGFA, a solução foi
retrair o dispositivo, abandonar populações e território e fazer uma defesa do
tipo de castelo medieval. A situação na Guiné estava fora de controlo, era
crítica desde a queda de Guileje no sul por falta de capacidade de reação após
o esgotamento dos meios no norte para manter Guidage.
Em Moçambique as operações da FRELIMO no Norte haviam ultrapassado em
Cabo Delgado o rio Messalo para Sul e estavam já na estrada Montepuez-Porto
Amélia. O Niassa era uma zona de passagem quase livre para Sul e em Tete as
ações já se realizavam na Gorongosa, a cerca de 200 km da Beira, com impacto
direto em zonas vitais. A situação em Moçambique estava fora de controlo e era
crítica.
Se à situação no terreno acima descrita juntarmos os numerosos
relatórios dos comandantes-chefes sobre o moral e capacidade das tropas, onde
são insistentemente referidos algumas questões decisivas, como a má preparação
e instrução de quadros e tropas, o que levou os generais a proporem que a
instrução de especialidade e o IAO tivessem lugar nos territórios, a má
preparação e falta de espírito combativo dos quadros de complemento, o cansaço
e desgaste dos quadros permanentes, as faltas e deficiências de armamentos e
equipamentos, temos uma ideia idêntica à que o coronel Lemos Ferreira
comandante da Zona Aérea de Guiné descreveu. O aparecimento dos mísseis
terra-ar na Guiné e em Moçambique iriam retirar a única e última vantagem, a da
supremacia aérea.
Dada a situação internacional, que da hostilidade passara ao
reconhecimento da ilegitimidade e ilegalidade da soberania portuguesa nos
territórios internacionalmente classificados como colónias (territórios
não-autónomos) onde decorriam legítimas lutas de libertação, as potências regionais
que apoiavam os movimentos independentistas passavam a dispor do direito a
ataque e elevavam o grau da ameaça para o patamar da guerra convencional entre
estados.
Derrota e
aniquilamento
Por vezes, a ideia que os defensores da tese da não derrota, do controlo
da situação e do que tudo ia mais ou menos como do antecedente, querem fazer
passar, para justificar a ideia da “vitória traída”, é a de identificarem
derrota com aniquilamento, fuga e retirada. É um sofisma relativamente eficaz,
porque permite à maioria dos que integraram as forças armadas durante este
período concordarem e afirmarem que nunca foram derrotados, querendo com isso
dizer que nunca o seu quartel foi invadido, ou ocupado, que não foram obrigados
a levantar os braços, a render-se e entregar as armas.
Ora, pela natureza essencialmente política da guerra subversiva, não é
esse conceito de rendição que materializa a derrota (como se viu no Vietname,
na Argélia) mas sim o do desgaste físico, económico, psicológico, o das
contradições inerentes à análise de custos e benefícios, às envolventes
externas. O conceito de derrota numa guerra subversiva é o do reconhecimento da
inviabilidade da situação política existente. É com este conceito que se pode
dizer que o apartheid foi derrotado na África do Sul: passou a ser inviável.
Daí que, mais do que perder uma guerra, as forças armadas portuguesas se
encontravam numa guerra perdida. A perda de controlo sobre o teatro de
operações foi a consequência lógica de não serem defensáveis as bases em que a
guerra assentava: nem as políticas, nem as militares.
As forças armadas portuguesas sofriam de limitações conhecidas e, ao
contrário dos movimentos independentistas, a sua capacidade de combate foi-se
degradando com o tempo, tendo as unidades dos últimos anos menor valor
combativo do que as dos primeiros anos. Quer isto dizer que, à medida que o
tempo avançava, piores eram as condições das forças portuguesas para controlar
os teatros de operações e para se oporem a inimigos cada vez mais numerosos, mais
bem treinados e apoiados, quer interna quer externamente.
A identificação de derrota com rendição e destruição, e a afirmação de
que as forças portuguesas controlavam a situação porque mantinham os órgãos de
soberania nos territórios é o equivalente a considerar que um navio ou uma
aeronave com os motores em perda de potência e em rota de colisão com outra ou
com um obstáculo não está afundada nem abatida antes do choque fatal.
Os factos sustentam a tese de que as forças armadas nos três teatros
caminhavam para esse choque fatal, caso não fossem alterados radicalmente os
seus meios e atitudes, o que não era possível fazer, pois adquirir e operar os
meios necessários custava dinheiro, que não existia, exigia vendedores
disponíveis, que não eram fáceis de encontrar, demorava tempo, pois havia que
preparar os operadores, e esse fator também era escasso, como reconhecia o
coronel Lemos Ferreira ao considerar que o “tempo corre contra nós”. Por isso
não houve aviões de combate adequados, não houve blindados, não houve lança
granadas e não houve outros meios solicitados pelos responsáveis militares.
A mudança de atitudes era ainda mais difícil, porque exigia mobilização
de mentalidades; ora a guerra era reconhecidamente impopular na sociedade
portuguesa, com elevadas percentagens de faltosos, refratários e compelidos; as
tropas eram mal treinadas e o enquadramento era fraco e à base de quadros mal
instruídos e mal mentalizados. Não existia, pois, regeneração possível que
sustentasse o quadro da continuação da guerra.
Por outro lado, a escalada de violência da guerra levou as Forças
Armadas a alienarem em boa parte o objetivo essencial de conquista das
populações (Apsic – conquista de mentes e corações), em particular no Leste de
Angola e em Moçambique – dando origem a casos de violência de grande impacto.
Acresce ainda, para agravar a situação de falência do sistema militar português
em África, que a política havia estabelecido, a partir de 1951, data da
incorporação do Acto Colonial na Constituição, a unidade do Estado, o que quer
dizer que os três teatros faziam parte do mesmo conjunto rígido, logo, a
resistência do conjunto passou a ser determinada pela resistência do elemento
mais fraco (admitamos que era a Guiné).
Restava, por fim, a situação política nacional e internacional.
Internamente, a guerra perdera o apoio das pessoas e era cada vez menos popular
e mais contestada, mesmo por sectores que inicialmente apoiaram essa solução,
incluindo sectores importantes das comunidades brancas nas colónias, caso de
Moçambique (engenheiro Jorge Jardim e Gonçalo Mesquitela e da igreja católica).
Externamente, Portugal era considerado uma potência ocupante na Guiné e
uma administração ilegítima em Angola e Moçambique. Fora expulso e estava
proscrito de muitas organizações internacionais e ainda sujeito a embargo
internacional.
Mas, se apesar desta realidade anteriormente descrita, fosse concluído
que as forças armadas portuguesas controlavam a situação nos teatros e que esta
não era crítica na Guiné e em Moçambique, então a atuação dos responsáveis
políticos e militares da época deveria ser considerada inconsequente e
incompreensível. O que não deixa de ser uma conclusão bizarra, mas lógica
dentro desse pressuposto!
A tese de que as forças armadas portuguesas asseguravam, em 1973/74, o
controlo da situação e esta não era crítica conduz, como todas as teses
revisionistas da História, a absurdos e incongruências que os seus autores
raramente curam em explicar.
É que, ao aceitarmos a tese de que as forças portuguesas controlavam a
situação nos três teatros, então temos de considerar as ações dos principais
atores políticos e militares como incompreensíveis, para utilizar um termo
suave, porque raiariam a insensatez e a loucura. Isto é, se a situação estava
controlada nos teatros de operações, então estava fora de controlo em Portugal
e nos órgãos de direção política e militar! Uma pequena lista de atitudes
inexplicáveis, nesse caso:
Se a situação em Moçambique estivesse sob controlo, como explicar a
demissão do general Kaúlza de Arriaga e as palavras que lhe dirigiu Marcelo
Caetano ao exonerá-lo? E as respostas do general, pedindo sempre mais e mais
meios e até propondo que, face à situação militar, os distritos de Vila Pery e
da Beira fossem considerados como zonas de 100% para efeitos de atribuição da
subvenção de campanha às tropas? E as visitas do primeiro-ministro da Rodésia e
do seu chefe dos serviços secretos a Lisboa, pedindo a substituição do
comandante de Moçambique, assim como as repetidas chamadas de atenção para o
agravamento da situação no território por parte dos militares da Rodésia e da
África do Sul? E, se a situação estava controlada, porque pedia o general
Kaúlza de Arriaga sempre mais unidades metropolitanas e alertava para o perigo
da africanização da guerra? E qual a razão para as azedas trocas de mensagens
entre o general Kaúlza e o ministro da Defesa, o general Sá Viana Rebelo?
Porque razão, num território onde as forças portuguesas garantiam o
controlo e a estabilidade, um político situacionista, o presidente da ANP
local, Gonçalo Mesquitela, escreveria a Marcelo Caetano informando que em
Moçambique se sentiam preocupações no aspecto militar? Em concreto que: “A
situação no istmo de Tete, a aproximação de actividades terroristas na Beira e
a “infecção” de Vila Pery instalam na opinião pública um princípio de alarme
que pode agravar-se. A DGS parece ultrapassada pelos acontecimentos. A
informação militar não consegue supri-la. E as surpresas sucedem-se. O trabalho
de sapa do inimigo é notavelmente bem organizado e, mesmo para além da sua
acção junto dos africanos, a técnica de boato e de descrédito de pessoas e de
obras tem de ser objecto de exame sério e de contramedidas.”
Se a situação em Moçambique estava sob controlo porque razão um homem
tão experiente e tão ligado à politica ultramarina, em especial tão ligado a
Moçambique, como o engenheiro Jorge Jardim ensaia, com conhecimento de Marcelo
Caetano, um plano de partilha de poder com a FRELIMO, através de Kenneth Kaunda
da Zâmbia , o primeiro plano de Lusaka de 1973?
Em Angola, se a situação estava sob controlo, porque esteve previsto o
reforço de meios aéreos da África do Sul perante uma informação de ataque
convencional em Cabinda e no Norte? Se esse controlo se estendia ao Leste,
porque não foi ensaiada uma política de repovoamento controlado em vez de
manter as populações em aldeamentos sem condições de vida e propiciadores de
revolta? E porque exigiam os sul-africanos uma mudança do dispositivo no Leste
e de aplicação de novos procedimentos para controlar e conquistar populações? E
porque eram necessários 35 mil homens para controlar um milhão de habitantes,
dos quais 80% em aldeamentos forçados?
E, na Guiné, se tudo estava controlado, porque desencadeou Marcelo
Caetano conversações secretas com o PAIGC, em Londres?
E, se as forças portuguesas controlavam os seus teatros de operações, se
a situação militar não era crítica, porque faz Marcelo Caetano, numa das
“Convesas em família” referência às preocupações e alarmismo dos “vizinhos de
Moçambique”, perante a possibilidade de Portugal negociar com movimentos de
libertação africanos?
Se a situação na Guiné era de controlo, porque recusou o general Spínola
continuar e, pelo contrário, pediu para ser urgentemente substituído e porque,
numa situação que, segundo as conclusões do Seminário, eram de controlo da
situação militar, Marcelo Caetano afirma ao general comandante-chefe da Guiné preferir uma
derrota com honra a negociações? Tratar-se-ia de dois irresponsáveis? Um
primeiro ministro coloca um general comandante de um teatro de operações no
dilema de preferir uma derrota a negociar se a situação não for crítica?
Se a situação nos teatros estava sob controlo, então que justificação
existe para, a 14 de Setembro de 1973, os generais Spínola, Venâncio Deslandes,
Kaúlza de Arriaga e Pinto Resende se reunirem em Lisboa num almoço para
discutir a hipótese de substituição de Marcelo Caetano? Estes encontros
continuaram com diferentes actores, mas sempre com a presença de Kaúlza de
Arriaga. Isto é, generais que foram comandantes-chefe de teatros de operações
reúnem-se para discutir a substituição do primeiro-ministro e do governo porque
a situação militar dos teatros de operações onde foram comandantes está sob
controlo e tem possibilidade de assim se manter?
Como se justifica a carta do comandante da Zona Aérea da Guiné e Cabo
Verde ao Chefe de Estado Maior da Força Aérea a avisar para os perigos de a
Força Aérea correr o risco de ser o “pião das nicas” na Guiné?
Como se justifica, numa situação de controlo da situação militar nos
teatros, a escrita e publicação do livro “Portugal e o Futuro”, do general
Spínola?
Como explicar, a não ser pela degradação crítica da situação militar,
que a 22 de Fevereiro de 1974 o primeiro ministro Marcelo Caetano tenha
promovido uma reunião com os generais Costa Gomes e António de Spínola, em que
os convida a tomar o poder, opção que recusam? E o pedido de demissão de
Marcelo Caetano feito a 28 de Fevereiro ao presidente da Republica também é um
acto normal numa situação normal, controlada e não crítica no ultramar que
estava no centro da atenção do governo? E a comunicação dramática de Marcelo
Caetano faz à Assembleia Nacional a 5 Março
de 1974 em que faz a defesa desesperada da política do Governo para o
Ultramar, num discurso proferido na Assembleia Nacional e transmitido pela RTP?
E a ordem do Presidente da República, almirante Américo Tomás, dada ao primeiro
ministro, Marcelo Caetano a 11 de Março de 1974 para demitir os generais Costa
Gomes e Spínola devido à publicação do livro “Portugal e o Futuro” e que leva
Marcelo Caetano a responder que, tendo autorizado a publicação do livro, não
tinha moral para aplicar qualquer castigo, tendo de seguida apresentado a sua
própria carta de demissão, também pode ser considerado normal, dado as forças
armadas estarem a cumprir a sua missão e a controlar os territórios?
Por fim, a cerimónia de apoio dos generais das Forças Armadas ao
primeiro ministro em 14 de Março de 1974 (Brigada do Reumático), com a ausência
dos dois mais altos representantes da hierarquia militar, generais Costa Gomes
e António de Spínola, também é um acto normal, numa situação em as forças armadas controlavam os
teatros de operações?
Se não havia uma crise militar, nem a situação era crítica, seria normal
os generais dos três ramos irem afirmar ao Presidente do Conselho de Ministros
e ao Governo a sua fidelidade e apoio à política ultramarina, em nome das
respectivas instituições? E seria normal que os dois chefes da hierarquia se
recusassem a participar?
Como parece deduzir-se, a tese de que as Forças Armadas controlavam a
situação nos teatros de operações e que por extensão poderiam continuar a
manter esse controlo, transforma os responsáveis políticos e militares,
independentemente das suas funções e opções, como figuras de um reino de
absurdos e neste reino de absurdos incluem-se o presidente da República de
então, o presidente do conselho de ministros, todos os generais portugueses,
todos os governadores, figuras como o engenheiro Jorge Jardim e todos os
oficiais e militares envolvidos nas ações do 25 de Abril; enfim, nenhuma destas
personalidades teria percebido que a situação estava sob controlo e podia
manter-se e que portanto as grandes linhas de ação do regime e do seu governo
podiam prosseguir na mesma direção do antecedente e nas suas linhas gerais.
Não sabemos se estas simples reflexões serão de alguma utilidade para a
formação das conclusões do seminário. Entendemos transmiti-las, no entendimento
de que a História é o que é e não adianta alterar a realidade, por muito que
ela nos desagrade.
Os exércitos não têm a obrigação de obter vitórias, mas de lutar. As
forças armadas portuguesas lutaram em África com os meios de que dispunham. As
condições em que combateram conduziram àquele resultado, que podemos tentar
compreender, mas que não podemos alterar.
Lisboa, 18 de Abril de 2012
Carlos de Matos Gomes
Aniceto Afonso
[1] Ver “1ª
Parte. A situação militar na África Austral com referencia especial para a
RAS”, de Março de 1970, em AHM/7B/44/Cx. 370/nº 01.
[2] Ver idem
[3] Ver “4ª
Parte. A RAS na condução global da campanha no Sueste de Angola”, de Março de
1970, em AHM/7B/44/Cx. 370/nº 01.
[4]
Ibidem. Ponto “Colapso no Programa dos
Aldeamentos”.
[5] Ver
Informação “Plano de Defesa para a África Austral”, da 3ª Repartição do
Estado-Maior do Exército, s.d. [Março, 1970]. AHM/7B/44/Cx. 370/nº 01.
[6] V[6]er a informação
“África Austral – I” do Secretariado-Geral da Defesa Nacional de 7-04-1970, em
ADN/Cx. 7689/nº 19.
[7] Ver a
informação “África Austral – II” do Secretariado-Geral da Defesa Nacional de
7-04-1970, em ADN/Cx. 7689/nº 19.